Uma vitória de homens
O Uruguai transpira dignidade. É uma equipe comovente. Não há estrelismos: os melhores e mais famosos jogadores (Lugano, Forlán, Suárez) são os que mais correm, os que mais jogam, os que nunca se escondem. Trata-se de um exemplo de coletividade. Um exemplo de time corajoso, destemido, aguerrido. Mas também de uma bela equipe tecnicamente.
Mais time que a Argentina (quase equivalente tecnicamente e muito mais organizado), o Uruguai saiu vencendo com Diego Pérez, o personagem do primeiro tempo. Como em 1950 (também num 16 de julho), 1987, 2007 ou 2010, fazia do estádio alheio a sua casa. O gol cedo era a melhor coisa que poderia ter acontecido. O nervoso time argentino, pressionado por uma torcida que queria vê-lo jogar um grande futebol, sofria um duríssimo golpe logo de cara, naquilo que foi uma constante durante todo o jogo: a superioridade charrua na bola aérea. A ruindade da defesa argentina pelo alto foi sempre gritante.
Aí, Lionel Messi. Como nunca se viu pela seleção, ele estava muito a fim de jogo. Recuava para receber junto aos volantes e driblava quantos uruguaios fossem necessários até criar perigo. O gol de Higuaín saiu de uma jogada dele. Outras tantas vieram. Cavou faltas, serviu os companheiros. Fez um primeiro tempo excelente. O jogo, que começou totalmente uruguaio, parecia querer trocar de lado. Após empatar razoavelmente cedo, a Argentina dominou as ações. Chegou a virar, mas Higuaín estava impedido, gol bem anulado. A expulsão de Pérez no final do primeiro tempo parecia piorar ainda mais o quadro para a equipe de Oscar Tabarez. Ela, de fato, mudou a história do jogo.
Nunca o clichê de que time que fica com 10 se multiplica foi tão verdadeiro. O Uruguai se transformou. Já terminou o primeiro tempo melhor. E aí a postura de Tabarez foi perfeita: não colocou mais um volante para o lugar de Pérez; recuou Pereira e González, trouxe Forlán mais para trás. Seu time deixou a postura excessivamente cautelosa adotada após o 1 a 1 e passou a jogar com uma gana que até mesmo dentro da história de superação do futebol uruguaio chama a atenção. Dominou a Argentina na base da imposição física, tática, técnica e psicológica, em pleno território alheio. Um conceito de futebol culhudo.
Ninguém sabia mais o que era bola perdida. Ninguém media esforços. Arévalo, Alvaro Pereira e González pareciam seis, não três. Forlán mostrou toda a genialidade que o planeta aplaudiu de pé em 2010: armava, lançava, segurava a bola, driblava, batia bolas paradas com extremo veneno, tabelava. Com Suárez, o melhor homem em campo. Muitas vezes sozinho (Forlán se desdobrava, mas às vezes era impossível estar sempre perto), enlouquecia a defesa argentina. O futebol sul-americano há muitos anos não vê uma dupla de ataque tão afinada quanto esta. Dois craques.
Claro, tudo isso foi possível porque o Uruguai é um time extremamente entrosado e bem montado por Oscar Tabarez. O time correu mais que a Argentina o tempo todo, mesmo jogando com um a menos em boa parte do tempo, porque todos corriam certo. Não havia movimentos em vão. Mas havia, sempre, a vontade de chegar em todas as bolas. Os argentinos, atônitos, eram desarmados o tempo inteiro. Com um a mais, a equipe de Batista sofreu pressão quase que todo o segundo tempo. Messi sumiu do jogo. Nas poucas vezes que tentou o gol, Muslera foi mais que perfeito, heroico. Suas duas defesas seguidas, em falta desviada de Tevez e arremate à queima-roupa de Higuaín, já entraram direto para a história, sem escalas.
A expulsão de Mascherano, aos 41 da etapa complementar, não alterou tanto o panorama do jogo. Na prorrogação, o jogo foi bem mais equilibrado. Sem tanta agressividade como no segundo tempo, o Uruguai mesmo assim seguiu correndo mais. O preparo físico é realmente impressionante. Forlán, com 32 anos, jamais foi visto caminhando. Os argentinos, por sua vez, jogavam com a perna muito mais pesada. Não pelo cansaço, mas pela pressão. A Argentina em nenhum momento desta Copa América soube ser a dona da casa. Talvez se tivesse jogado no Monumental de Nuñez, onde está acostumada, fosse diferente. Visitar o país e cansar-se com longas viagens para atuar em campos estranhos foi um erro estratégico.
Será mais um período de jejum para a albiceleste, que há 18 anos não conquista nada com sua seleção principal. Com a anfitriã fora prematuramente, a Copa América fica mais neutra. O Uruguai deu hoje pinta de campeão. Entra como favorito contra o Peru, embora a postura deva ser completamente diferente (não é clássico, haverá pressão diante de um rival mais fraco). Mesmo assim, só o Brasil pode ser considerado tecnicamente superior, e não tão acima assim. Em termos de conjunto, nenhum time na América é melhor que o uruguaio, nem perto disso. A Copa de 2010, está comprovado para os que ainda duvidavam, não foi um acidente ou uma coisa de momento. Foi o marco do renascimento de uma escola tradicionalíssima.
O futebol mundial agradece por mais esta lição de hombridade, de um país pequeno, mas que não cansa de fazer história.
Copa América 2011 - Quartas de Final
16/julho/2011
ARGENTINA 1 x URUGUAI 1
Decisão por pênaltis: Argentina 4 x Uruguai 5
Local: Cementerio de Elefantes, Santa Fé (ARG)
Árbitro: Carlos Amarilla (PAR)
Público: não divulgado
Gols: Pérez 5 e Higuaín 17 do 1º
Cartão amarelo: Zabaleta, Gabriel Milito, Gago, Tevez, Cáceres e González
Expulsão: Pérez 38 do 1º; Mascherano 41 do 2º
ARGENTINA: Romero (6,5), Zabaleta (5), Burdisso (5), Gabriel Milito (4) e Zanetti (5); Mascherano (4,5), Gago (5,5) (Biglia, 6 do 1º da prorrogação - 5,5) e Di Maria (5) (Pastore, 27 do 2º - 5,5); Messi (6), Higuaín (6,5) e Agüero (5) (Tevez, 38 do 2º - 4). Técnico: Sérgio Batista (5)
Pênaltis: Messi (gol), Burdisso (gol), Tevez (defendido), Pastore (gol) e Higuaín (gol)
URUGUAI: Muslera (9), Maxi Pereira (7), Lugano (6,5), Victorino (5) (Scotti, 19 do 1º - 6,5) e Cáceres (6); Pérez (5,5), Arévalo (7,5) (Eguren, 5 do 2º da prorrogação - sem nota), González (6) e Álvaro Pereira (7) (Gargano, 5 do 2º da prorrogação - 6); Forlán (8) e Suárez (8,5). Técnico: Oscar Tabarez (8)
Pênaltis: Forlán (gol), Suárez (gol), Scotti (gol), Gargano (gol) e Cáceres (gol)
Comentários
Entendo que muitos critiquem Messi por jamais ter jogado na Argentina e por um suposto desinteresse em partidas anteriores pela seleção. Mas acho isso injusto, perdoem-me a franqueza. Nenhum time argentino quis investir no tratamento de La Pulga, deixando-o ir para a Espanha sem resistência; e olha, não sei vocês, mas ultimamente eu só vejo Messi jogando bem com a albiceleste. Caiu no segundo tempo, mas discordo do Professor quando diz que sumiu do jogo: na verdade, ele sofreu muito com a falta de quem assuma, junto com ele, a responsabilidade das jogadas de frente. TODAS as bolas passam por Messi. Na primeira etapa, elétrico, jogou demais; na segunda, com o Uruguai mais compacto e a Argentina mais nervosa, viu-se só. E mesmo assim fez ótimas jogadas.
De qualquer modo, Uruguai mereceu muito. Eis uma seleção que dignifica o futebol como um todo. Quem não simpatiza com ela é por amargura ou por não gostar tanto assim de futebol. E a churrascada festiva na concentração charrua hoje vai ser daquelas...
De resto, concordo com tudo que escrevestes. Quem disse que seria um jogaço acertou em cheio. Há tempos não ficava saudavelmente nervoso com uma partida de futebol.
Comentaram na transmissão que esse, para os jogadores das duas seleções, era tido como o maior clássico do futebol sul-americano. Concordo com eles.
Já que a Argentina faz amistosos com seus times B, C ou D, poderiam testar Montillo ou D'alessandro. Ainda que o cruzeirense nunca tenha jogado pela Argentina, e que o colorado, tenha sido irregular, poderiam ser alternativas ao setor de criação, coadjuvantes de La Pulga
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Como disse o André Kruse, não sei se Álvaro Pereira é volante, lateral ou meia, mas como corre o bicho! Marcou Messi durante o primeiro tempo e puxou contra-ataques no segundo.
Pérez foi expulso infantilmente pois já estava pendurado, foi imprudente ao fazer diversas faltas e cometeu uma falta desnecessária no campo de ataque.
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Concordo com o Vine quanto ao Suárez. E o Uruguay, assim como a Argentina, precisa de uma alternativa a Forlán.
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No más, assino embaixo
A Argentina é mal convocada e mal escalada. O Messi faz função diferente do que faz no barcelona. No clube ele é terceiro atacante (ou quarto do meio campo), joga entre a intermediaria e a linha de fundo. Na seleçao ele é terceiro do meio campo (ou quarto atacante), jogando de desde o meio do campo. Fica muito longe do gol.
Qualquer zagueiro da Celeste é mui melhor que um zagueiro da Argentina.
Mais um elefante morto no Cemeterio. Fracasso da seleção argentina.
Vine, achei o Suárez assombroso no segundo tempo. Para mim, ninguém jogou mais que ele. Só o Muslera mesmo.
Álvaro Pereira é uma espécie de Lúcio uruguaio.
Esta Celeste é um exemplo de dignidade ao mundo, e principalmente aos jovens e crianças que estão formando sua mente agora, e acompanham futebol. Não trata de torcer pra Seleção Uruguaia, que torçam para o Brasil, mas saibam avaliar o que é caráter e patriotismo e a falta de valores. Torço para Celeste por um fatalismo telúrico e geográfico. Um grande abraço!